Gosto de Viver

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O que me define

é que eu gosto de viver. Ainda que viver seja, por vezes, uma “seca”. Para gostar de viver há que querer viver. Como diz Miguel Esteves Cardoso no seu último livro “Amores e Saudades de um Português Arreliado” há o querer morrer e, simultaneamente, há o querer viver também. É legitimo. Viver e quere-lo não são sinónimos, não têm de ser. Não vêm juntos num pacote como as promoções de telemóvel. E nem todos querem. Ainda que, viver bem, normalmente todos queiram.

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Viver às vezes é

uma chatice. Até uma tragédia. E eu, na minha posição afortunada de não só não passar fome como ainda poder permitir-me comer mesmo não a tendo, tenho pouca noção do que são essas “chatices” de viver. No entanto, às vezes suspiro e estupidamente digo, “Viver, que seca!”. E digo-o até irritada! Sem vergonha nenhuma. Eu, que gosto de viver, digo esse tipo disparates idiotas. Um absurdo. Mas, ironicamente, se isso acontece é porque posso permitir-me ser triste também. Se fosse pobre, miserável, seria muito menos triste. Os miseráveis não têm espaço nem tempo para a tristeza. Os instintos prevalecem sobre as emoções. Matar a fome, o frio, tentar viver. Tentar ficar vivo. Tentar agarrar a dádiva que nos foi entregue, ainda que ela nos faça miseráveis. Não desistir, sobretudo não desistir da ideia de gostar de viver e vir a querer genuinamente senti-lo.

Há que querer viver, portanto.

E quem quer é porque realmente gosta de o fazer. Viver, de facto, não é para qualquer um. Morrer, idem. Mas esse, toca a todos. Quer queiram, quer não. Querer viver não se aprende, sente-se. Não é o objetivo. É o processo, e que como todos os processos, tem os picos altos e os baixos. E é durante essas baixas latitudes, mesmo para aqueles que querem mesmo muito viver, que viver se torna por momentos uma “seca”. Um privilégio, claro, um capricho essa “seca”. Que passa, vai passar. Evidentemente. Para os que gostam de viver passa sempre. Só os que não gostam de viver ficam a remoer nisso para sempre. Para sempre, isto é, até morrer.

Porto, 11 de Maio 2014

2 replies
  1. pinbypin
    pinbypin says:

    Um dia escrevi uma frase que nunca mais me esqueci, embora me tenha esquecido de a aplicar na minha vida muitas vezes. Ao ler este texto, e ao conhecer a forma como gostas de viver e nos contagias com essa vontade chegou de novo essa frase ao meu pensamento:
    “Quero chegar livre à morte, não quero que a morte me liberte”

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  2. elisadelima
    elisadelima says:

    Amo essa frase. Inspirou-me para escrever sobre um tema que adoro falar, ainda que a maioria das pessoas me achem mórbida quando toco nesse assunto: a morte. A morte que faz parte da vida. Porquê não deveríamos falar nela?

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