Luto
Quando alguém próximo na nossa família morre,
por lei temos direito a três dias de luto. Se não for família direta, o que somente inclui pai, mãe, irmão, irmã, filho ou filha, temos direito a um. Mas como quantificar o sofrimento? Como se calcula o luto?
E pergunto ainda, e a morte dum amor?
É esperado de nós continuar a lidar com a vida mundana, como se nada fosse? Porque será que nos consentem tolerância de pranto numa situação e noutra não?
A morte dum amor é visto como algo que deveremos saber digerir no meio do resto e de preferência sem chorar, muito menos em público. Porquê? Se, ironicamente, o que mais precisamos de fazer é vazar todas as lágrimas de dentro de nós, todo esse sal acumulado que nos corrói?
É certo que a velha história de ter a mente ocupada, ajuda no processo de ultrapassar a dor. Mas só ajuda a aliviá-la momentaneamente, a esquecê-la por um intervalo. Não ajuda a curá-la. O que se resiste, persiste.
Mal temos uma frecha no nosso pensamento, lá está ela, essa emoção dolorosa, que é a própria Dor, olhando-nos, ainda com mais força do que no último sobressalto, dizendo, “ainda estou aqui, até que me enfrentes”. E ela vem, como uma onda gigante, uma massa de água que se apodera de nós, que nos trespassa deixando-nos subitamente submersos e sem que nada possamos fazer contra o seu ataque massivo. Nesses momentos, basta tão pouco para desabar, para desatar, para desatarmo-nos, desatar esse nó. Desatar o choro. Desatar o desatino. E não é assim que tem que ser? Só poderemos emergir de novo, se primeiro nos afundarmos completamente, se nos permitirmos bater no fundo.
A morte dum amor é isso mesmo, uma morte. Não vale a pena tentar mascará-la de outra coisa. Algo existia e não existe mais, sentimo-nos impotentes com a perda. Ou porque não nos amam mais, ou porque nós não conseguimos amar mais, ou amar sequer.
Amar e não ser amado, dói. Porque não sabemos o que fazer com aquele sentimento, que não nos pertence. Temos de oferecê-lo a alguém e esse alguém não está mais lá. Sermos amados e não amarmos de volta, dói mais ainda. Além de queremos querer receber o amor da outra pessoa, queremos querer dá-lo. Querer querer alguma coisa, é mais angustiante do que só querê-la.
Martha Medeiros fez referência a algumas passagens numa das suas crónicas, “A separação como um ato de amor”, de um livro da portuguesa Inês Pedrosa, “Nas Tuas Mãos”.
Entre elas, “A separação pode ser o ato de absoluta e radical união, a ligação para a eternidade de dois seres que um dia se amaram demasiado para poderem amar-se de outra maneira, pequena e mansa, quase vegetal.”
Somos educados a pensar nos “para sempres”, e nos “para sempres” como algo continuo, definitivo, quando uma união não existe para sempre simplesmente porque dois corpos co-habitam o mesmo espaço no dia-a-dia. Da mesma forma que um casamento não se assina num papel e com uma caneta. Nada é pois, definitivo, nem as uniões, nem as separações. Nada é irreversível. É liberador? Ou pelo contrário, pesa em nós?
E continua:
“Só nós dois sabemos que não se trata de sucesso ou fracasso. (…) Para lá da dilaceração dos dias, dos livros, discos e filmes que nos coloriram a vida, encontramo-nos agora juntos na violência do sofrimento, na ausência um do outro como já não nos lembrávamos de ter estado em presença. É uma forma de amor inviável, que, por isso mesmo, não tem fim.”
Como dizia o mestre Vinicius de Moraes, no Soneto da Fidelidade, “Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.”
Rio de Janeiro, 7 de Maio de 2015
Soneto de Fidelidade
Vinicius de Moraes
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